O livro Educação Infantil: formação e responsabilidade
de Sônia Kramer e colaboradoras trás discussões importantes sobre gestão,
culturas, infância, educação infantil, formação e pesquisa. A obra compreende
textos escritos por membros do grupo de pesquisa sobre Infância, Formação e
Cultura (Infoc) - composto por professores e alunos de graduação,
especialização, mestrado e doutorado - e por professores do curso de
especialização em Educação Infantil da PUC-Rio, os quais trazem resultados de
estudos, relatos de práticas, questionamentos, indagações e proposições.
Nos
capítulos 12, 13 e 14 foram apresentadas contribuições sobre a infância, tempos e espaços e
como buscar no cotidiano escolar, uma interação com qualidade.
Para que sejam
estabelecidas interações positivas e educativas, a criança precisa ter espaço
adequado para suas vivências e aprendizagem. Um espaço favorável facilita as
diversas interações que são necessárias nessa etapa da educação básica,
viabilizando também uma forma silenciosa de educar, como tão bem pontua, Frago
e Escalano (1998).
A institucionalização da
Ed. Infantil, fruto de diversas lutas sociais, ainda percorre um caminho onde
os trilhos são assentados sobre atitudes adultocêntricas, onde ainda não se
reconhece a criança enquanto portadora de identidade nesse estágio da vida
humana. Ainda reside um pensamento voltado para a criança enquanto receptora de
informações, desconsiderando sua incrível capacidade de recriar as situações no
cotidiano escolar e fora dele o tempo todo, podendo expressar-se com
criatividade, liberdade e produzindo saberes de forma muito mais significativa.
Compreender as práticas
cotidianas na educação infantil e os tempos escolares, ainda são desafios para
muitos educadores. Ver a criança como
sujeito histórico ainda é complexo, pois requer desdobramentos dos
profissionais de educação (não somente o professor) para compreender que a
escola é um espaço diverso e cheio de possibilidades a depender do olhar que se
tem sobre ela sobre a criança.
Os espaços de educação
infantil devem ir além do cuidar e educar, as crianças precisam através de seu
espaço/tempo, criar mecanismos onde a brincadeira se faça presente, nascendo
diversos contatos dessas interações possibilitando construir saberes e
reconstruir-se nesse movimento. Segundo (Tiriba, Barbosa e Santos), a relação
entre educar e cuidar, principalmente nas creches visa diminuir o entendimento
errôneo, onde essas duas práticas andam separadamente. O educar e cuidar pode e
deve, segundo as Diretrizes para educação infantil, ser trabalhados de forma
que haja uma interação entre adultos e crianças como produtoras do conhecimento
a partir de suas práticas cotidianas, de forma amorosa, brincante e
democrática.
Articulando o ato mental
ao ato motor, Wallon afirma que toda motricidade é psicomotricidade, ou seja, o
movimento, que é uma atividade muscular, sempre conta com uma qualidade
afetiva/emocional.
Nesse sentido, as
atividades que tem como finalidade a contenção do corpo, precisam ser
repensadas e colocadas em segundo plano. Podemos notar no cotidiano escolar
claramente que o que dá mais prazer às crianças é o contato com os diferentes
colegas no intervalo livre. Essa experiência garante o que Wallon afirmou, pois
ela é rica em elementos afetivos/emocionais e favorecem através dos conflitos,
brincadeiras, momentos tensos e amistosos, entre outros aspectos, a
reelaboração do que se é e do que posso tornar-me em relação aos outros em todo
tempo e diferentes momentos nos espaços escolares.
O comportamento das
crianças é, portanto, marcado pelas características das ações e das práticas
que vivenciam cotidianamente. E a aprendizagem é fruto das interações sociais
que impulsiona o desenvolvimento. A brincadeira por sua vez, provoca a
aprendizagem do que ainda não se sabe; é uma forma de produção de conhecimento
– construção esta que se dá por meio de ações compartilhadas – por isso é
fundamental que a criança possa estar em espaços que possibilitem a criação, a
construção e a imaginação.
Continuamos as discussões
em torno de questões que estão relacionadas também as interações de qualidade
no cotidiano da educação infantil, como buscar tal interação?
O texto reflete o desafio
de uma prática de formação, que leve em conta o cotidiano como tempo-espaço, ou
seja, o seu dia-a-dia, como forma para desenvolver a aprendizagem com
qualidade. As Diretrizes Curriculares para Educação Infantil já afirma essa
qualidade quando diz que o PPP da escola deve ter a criança como centro de toda
prática educacional de aprendizagem.
Segundo Guattari (1990),
diante do retrato do mundo atual, precisamos reinventar as relações entre seres
humanos e natureza, também nos espaços da educação infantil. As autoras trazem
três unidades de estudo para estruturar o programa de trabalho na escola. A
primeira: é o desafio desse cotidiano, construído social e historicamente e que
é produzido a partir dos atos, gestos, ações, olhares, ditos e não ditos de uma
rede que inclui crianças, adultos que trabalham diretamente com crianças,
equipes de direção, famílias e comunidade. A perspectiva de que o cotidiano é
produção social e cultural assume a forma e o significado espacial e temporal
que a instituição, suas equipes e as crianças lhe conferem (Barbosa 2013).
A segunda: com “paixão”
se conhece o mundo: as rotinas ressignificadas. Segundo as Diretrizes no artigo
3º, o ponto de partida é levar em consideração as “experiências e os saberes
das crianças” que também produz cultura nas interações, relações e práticas
cotidianas. Uma prática humanizada assume as interações como ponto de partida.
Tendo em vista que é na interação com o outro que os afetos e os conhecimentos
se constroem, também é aí que se dão as aprendizagens sobre trabalhar com as
crianças e sobre relacionar-se produtiva e democraticamente. Uma interação
qualificada resulta em atividade criadora. Sujeitos que interagem, reconstroem
internamente essas relações, produzindo algo novo. Para Vygotsky (2000, p.74)
uma relação “entre” pessoas (interpsicológica), socialmente, é transformada num
processo que é “intrapessoal” (intrapsicológica). O que é internalizado não são as relações
sociais em si, mas algo diferente, que é reconstruído pelo próprio sujeito.
Desse modo, a qualidade das interações é determinante para a qualidade daquilo
que se reconstrói internamente, que consequentemente será material para a
imaginação criadora.
Proporcionar as crianças,
momentos de interação, em que elas se sintam parte do fazer e querer fazer.
Para Malaguzzi (1999, p. 93), é nesse momento que o cotidiano se materializa
como tempo-espaço de produção de liberdade ou opressão.
A terceira e última
unidade de trabalho, é o desfio da produção do cotidiano: construindo
estratégias de constituição de equipe e estreitamento das relações entre escola
e sociedade. O que de fato fazer, a estratégia, a ação que irá proporcionar
esse momento de internalização de novos conhecimentos. Elaborar práticas
inovadoras que esteja relacionada ao cotidiano da educação infantil.
Portanto, é preciso
ampliar a experiência da criança a fim de lhe proporcionar elementos para sua
atividade criadora: quanto mais ela viu, ouviu, experimentou, mais ela sabe e
mais produtiva será sua imaginação.
Referência:
KRAMER,
Sônia; NUNES, Maria Fernanda; CARVALHO, Maria Cristina (Orgs). Educação Infantil: formação e responsabilidade.1ed-
Campinas, SP: Papirus, 2013’
Por: Débora Guimarães e Raelma Santos